quarta-feira, dezembro 01, 2010

You don't care a bit, you don't care of it

Enleada nas conversas com a minha própria sombra, com o reflexo que o fogo deixa na parede, passei para lá da consciência. Escavei um pouco mais fundo, como disse a Maria: "quando achas que chegas-te ao fundo, há sempre quem escave e chegue ainda mais fundo!", ignorante a pensar que iria encontrar água àquela profundidade. Escavei e escavei, já não ligando a nada, nem à falta de sol, nem à falta de alimentação, nada! Apenas escavava, com as mãos, já não sentindo os dedos, com o sangue misturado na terra. Perdida na imensidão do local onde cheguei, vi-me inundada em lágrimas, em suor, sangue e falta de pensamento. Pedi que viesse a morte e o tempo e me arrancassem o coração! Mas nada, ali ninguém me ouvia. Estava apenas eu. E gritei até me doer o interior! Sentei-me, enjoada com todos os sentimentos que cavalgam dentro de mim.

Ali, no meio do meu nada, reparei numa cereja no bolso, decidi come-la! E o seu sabor era delicioso! Era estaladiça, sumarenta, vermelha, brilhante. Aquela cereja fez-me despertar todos os meus sentidos. Peguei no caroço e enterrei-o! Tinha todas as condições para a semente germinar, menos o sol. Sentei-me novamente e pedi, pedi fortemente para que do meu coração estilhaçado e negro saísse luz! Sabia que bem ao fundo dele havia ainda uma força enorme, que estava apenas adormecida e magoada. De olhos bem cerrados entoei uma oração para que de mim brotasse a luz necessária para fazer crescer a semente. Para que um dia houvesse árvore, flores e frutos. E como se de uma mão se tratasse, senti uma força imensa a entrar no meu peito e a remexer no meu interior, a vasculhar no meu coração e a travar um braço de ferro com algo que não queria de lá sair. As dores eram insuportáveis! Mas eu estava como que petrificada e nada poderia fazer a não ser desejar perder os sentidos para deixar de sentir.

Até que por fim, tal como a dor final de um parto, algo do interior do meu peito saiu! Era uma luz! Tão clara, tão forte, tão quente, como jamais julguei ter em mim!
Direccionei a luz para a semente e esperei. E vou esperar que esta rebente da terra, que cresça e que no seu crescimento me leve nos seus ramos de novo para a superfície. E enquanto lhe der luz, ela dar-me-há alimento e protecção. E um dia chegaremos lá a cima.


Imogen Heap - The moment i said it

3 comentários:

Taiyo85 disse...

Lindo... Absolutamente lindo...

Raquel disse...

E a cerejeira vai crescer... sem sombra de dúvida, pejada de boas lembranças, recordações e os sentimentos que te transmitirão. Porque quanto mais forte a dor, mais forte a força que em ti descobres. E a cada passo, será preciso muito mais para te fazer sofrer. A tua força, queria apenas um pingo da tua força... Tudo o que ganhaste é SÓ teu. E oxalá me permitas estar sempre aqui para te acompanhar. A glória é dos persistentes, em detrimento dos transitórios.

Ana Pena disse...

Este texto é só por si uma oração tão forte quanto delicada. Sabemos que essa força e essa luz irá fazer crescer "your own private branches of this tree", de novo. E estamos aqui para vê-la florir e dar frutos de novo. E estamos aqui para a podar, para a regar, para a abraçar e colocar um baloiço nela.
Estamos no Inverno, a Primavera vem a seguir. E "por morrer uma andorinha ... não acaba a Primavera." *